A inflação, os juros e o crash

Estamos vendo a retomada da inflação nos EUA, fruto de anos de QEs e Operação Twist. Vimos alertando para esse momento há alguns anos, mas ninguém parece ter se importado. Nosso maior crítico, o prêmio Nobel de economia Paul Krugman, ironizou várias vezes as pessoas que acreditavam que os programas de impressão de dinheiro levariam a inflação, as quais ele cunhou de “QE truthers”.

Para nós, é muito óbvio que esses programas levariam à inflação. Nunca na história houve algum governo que imprimiu dinheiro, seja pela redução do percentual de metais preciosos presentes nas moedas, pela impressão pura de dinheiro ou, como nos tempos modernos, pela adição de alguns zeros a mais nas contas, e conseguiu sair dessa sem ter um período inflacionário e/ou recessivo. Os EUA certamente não serão os primeiros.

Se estudarmos a história, veremos que a suposta definição de loucura de Einstein segue viva: fazer a mesma coisa e esperar resultados diferentes. Na Roma antiga, vários imperadores começaram a desvalorizar as moedas para conseguir manter o Estado gigante. Na época de Nero, o dinar de prata consistia em uma moeda com 98% de prata em sua constituição. Na época de Diocleciano, o conteúdo de prata na moeda já havia caído para apenas 5%, ou seja, uma desvalorização de quase 95% da moeda!

E, obviamente, como o preço do dinheiro caía, o preço das mercadorias subia. Muita gente confunde isso com inflação, mas inflação não é a alta dos preços, inflação é o ato de inflar a base monetária, ou seja, imprimir mais dinheiro ou, no caso, diminuir o conteúdo de metal precioso nas moedas. A alta dos preços é a consequência desse ato.

Para se ter uma ideia, nesse mesmo período, o preço do trigo subiu mais de 4.000%. Se compararmos o preço do trigo com o preço da prata, o trigo se manteve relativamente estável nesse período, o que mudou foi o teor de prata na moeda. Aliás, em muitos casos, é até normal o preço das mercadorias cair em relação a ativos reais (ouro e prata), já que novas técnicas de produção são inventadas e/ou aperfeiçoadas e contribuem para uma maior produção a um menor custo. Na minha opinião, a redução dos preços seria o caminho natural das coisas, mas isso é assunto para um outro post.

Voltando à Roma antiga, Diocleciano, sem saber o que fazer para conter a alta nos preços, decretou o Edito Máximo, fixando os preços das mercadorias, serviços e salários – ou seja, o primeiro congelamento de preços da história. Não é preciso dizer que a medida não funcionou, mesmo a punição sendo a morte. Vimos isso aqui com o Sarney e o resultado foi o mesmo!

Vários outros governos no mundo tentaram essas medidas, da mesma forma ou de forma parecida, com, obviamente, os mesmos resultados: inflação, crise de confiança na moeda, queda no PIB e aumento da pobreza.

John Law tentou isso no século XVIII na França, Hitler no século passado na Alemanha, assim como Sarney no Brasil e Kirchner na Argentina, e todos sabemos o resultado. Mas, por algum motivo, ninguém se atém a isso quando o fato se passa na maior economia do mundo, os EUA.

Pois então, a inflação esse ano nos EUA, de acordo com os dados do CPI, já passou dos mágicos 2% a.a. E digo mágico porque alguém sugeriu que esse número seria o ideal e todos os economistas vivem repetindo isso, sem saber realmente o motivo. Se 2% de inflação é bom, o que dizer de 2.5%? E 3%, não seria ainda melhor? Tiraram o coelho da cartola e ninguém se pergunta o mais básico: por que 2%? Lembrando que 2% de inflação por ano reduz o poder de compra das pessoas em 50% em apenas 35 anos!!! E isso é a realidade.

Usando os números da Shadow Government Statistics, que se propõe a expor erros nas estatísticas governamentais oficiais, a inflação está mais perto de 6% a.a. do que de 2% a.a. E isso é um grande problema.

E estamos vendo isso à medida que as empresas reportam seus resultados. A Campbell Soup, famosa empresa do ramo alimentício, reportou semana passada resultados aquém do esperado. Segundo seus diretores, a culpa, dentre outras coisas, foi da inflação. As margens caíram de 38% em 2016 para 35.2% em 2017. Post Holdings, dona das marcas Weetabix, Uncle Sam Cereal e Powerbar, também desapontou.

Mas o que estamos tentando mostrar aqui é nossa tese de que há inflação nos EUA e que ninguém está falando sobre isso, mesmo sendo um tema importante demais para ser deixado de lado. O preço do petróleo e de commodities em geral vem subindo e o impacto é grande.

Assim, imaginar que o FED será obrigado a subir a taxa de juros pelo menos 3 vezes em 2018, fato que o próprio FED confirmou, não deveria deixar ninguém surpreso. E o impacto de uma alta de juros nos EUA pode ser grande para as economias emergentes e para várias empresas (americanas ou não), especialmente para aquelas que, como sempre, não fizeram o dever de casa e estão mais vulneráveis a um reajuste no mundo financeiro.

Lembrando que as últimas duas crises nos EUA começaram após um período de taxa de juros baixa seguido por uma alta, que, a partir de um ponto, foram o estopim para um selloff generalizado nos mercados mundiais. Hoje a economia dos EUA está ainda mais vulnerável a uma alta nos juros, já que a dívida é maior do que era há 10 anos. A dívida dos EUA já passa de US$20 trilhões e essa é só a dívida que está “nos livros”. A dívida fora do balanço passa dos USD80 trilhões e é, como todos suspeitam, impagável.

Um aumento na taxa de juros torna o serviço dessa dívida ainda mais difícil. Continuo apostando em uma alta substancial das commodities nos próximos anos, com muita volatilidade, claro, e acho que todo portfolio deveria ter uma exposição a elas. Minhas preferidas são o ouro, a prata e o urânio. Uma das minhas recomendações no setor de urânio subiu mais de 20% na semana passada e acho que isso é apenas o começo de um bull market que durará anos.

Também recomendo a todos que reduzam suas exposições a risco e mantenham uma boa parte do portfolio em caixa, para aproveitar possíveis barganhas que apareçam no decorrer do caminho, como venho recomendando há cerca de 6 meses.

Mais uma vez, é hora de ser precavido, não de ser ambicioso. Como já mencionei antes no meu post do dia 2 de fevereiro “Os avisos não param de chegar, mas ninguém está prestando atenção”, O fear of missing out (FOMO) ainda é grande, mas ele cobra um preço aos desavisados.

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